Celso Antunes
Pense uma professora e diante dela, envolvida pelo encantamento, uma criança de sete ou oito anos. A professora relata:Era uma vez um lindo castelo. Situado em uma colina, tinha à sua frente sinuoso caminho de troncos e flores que serpenteava em meio a um gramado coberto de um verde brilhante. Esse caminho terminava em um lago de água muito azuis, que refletiam o brilho do sol, na tarde que caia!
Pense, agora, uma professora e diante dela, envolvido por igual encantamento a mesma criança com seus sete ou oito anos, ouvindo o desafio:
Era uma vez um lindo castelo. Por quê era lindo esse castelo?...
Em superficial exame, acredita-se que não existem diferenças essenciais entre as educadoras. A primeira é apenas mais ampla, detalhista, completa. A segunda mais restrita em seu verbo, mais ousada em seu desafio. São igualmente, entretanto, duas educadoras.
Não são. Apenas uma é.
A segunda, a que trocou os detalhes de sua história pelo imaginário, a que ousou ensinar a pensar, a que desprezando a arrogância autoritária do ponto de exclamação, preferiu a sinuosa ousadia da sensualidade do ponto de interrogação. Para a criança que ouve a primeira professora esse castelo não é lindo; apenas assim sua mestra o vê e porque assim o deseja, assim o impõe. O saber que sua história conta chega pronto, definitivo, arrogante, exclusivista. Talvez, a beleza desse castelo não seja nem mesmo da professora que o relata, mas do autor que lhe impondo, a seus pensamentos a subjugou. Essa criança é apenas restrito ouvinte, jamais protagonista da história; seu cérebro recebe uma ordem, que ainda que passada com carinho, para nada mais serve que o ofício da subordinação.
Para a criança da segunda educadora, a beleza do castelo não chega pronta, urge assim construí-la. Por que é lindo o castelo? Pelas fadas que abriga? Pelos anjos que o encantam? Pelos mágicos que o ocupam? Não importa o saber que o desafio propõe por não chegar frio e exclusivista, envolve o pensamento, acorda a memória, aguça a criatividade. O saber da professora apenas insinuou uma busca e a ousadia com que fez uso do ponto de interrogação, a fez construtora de um castelo, este sim, efetivamente lindo, sedutor, admirável.
Para a primeira professora, a do ponto de exclamação, o aluno é criatura estática, ser robotizado que outra função não tem que a de apensa ouvir, para a segunda, o aluno é criatura intuitiva, inteligente e, por isso, requer interação. Para a primeira o saber é informação que se acumula e assim com o tempo se perde, para a segunda o saber por ser experenciado transforma-se em degrau para mais outros saberes, para a primeira a avaliação é mecânica e seu aluno somente saberá de castelos se puder memorizar a beleza que não sente, das palavras que decorou, para a segunda a avaliação é subjetiva, se insinua através de múltiplas linguagens e se mais crianças a ouvir, em cada uma delas um sonho diferente esse lindo castelo abrigará.
Na visão externa, as duas professoras contando sua história parecem iguais, na visão mais próxima, uma conta a outra encanta, a primeira impõe a segunda propõe, uma faz de seu aluno instrumento cativo de seu pensamento, a outra o liberta para que, autônomo, navegue pela paixão de seus sonhos.
Repare que por coincidência ou não, o ponto de exclamação autoritário assemelha-se a punhal, com a conta de sangue a conferir o assassinato que aos pensamentos impõe.
(texto retirado do site www.celsoantunes.com.br)
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